segunda-feira, 2 de abril de 2012

Por Wilson Barbosa

 
Reflexão Filosófica sob Certificação por Competência nos Cursos Técnicos

 PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Em artigo que publiquei ainda no ano de 1997 para a Revista  Filosofia- Ciência & Vida, Editora Escala, edição especial daquele mês[1], o assunto foi tratar “O Iluminismo no Século XXI”. Considerei como principal protagonista para o texto, Jean-Jacques Rousseau - Filósofo Iluminista do Século XVIII.
Agora, nesse artigo, para fomentar o intrigado raciocínio acerca da Certificação por Competência dentro de uma perspectiva também da interdisciplinaridade, retomo outra vez o Filósofo, a partir da base de seu pensamento efervescente em prol da necessidade de preparar o educando para o futuro. Isso porque, segundo a perspectiva do Pensador em sua obra O Emílio[2], o aluno tem uma enorme potencialidade não aproveitada imediatamente.
Praticamente em toda a história da Filosofia houve pensadores que debruçaram contra toda forma de opressão, do poder autoritário que subjuga o outro para o domínio próprio; do maniqueísmo assassino que usurpa o direito à liberdade. Vários fenômenos dessa natureza tem pano de fundo no momento da história quando alguém cercou um lugar e disse: “isto é meu”. Esse é também o início da privatização da propriedade! Mas é também assunto para outro artigo.
Retomando o tema, nos dias atuais, pouco ou nada se compreende a respeito do Ócio em seu sentido legítimo,  confundindo-o quase sempre com o ócio da aristocracia, daí o interesse em envolver essa significação aos aspectos do potencial estanque do educando que, especificamente, na modalidade de ensino dos cursos técnicos, o qual, conforme legislação vigente pode ser diminuído em termos de tempo da duração do curso por meio da Certificação por Competência, algo devidamente amparado pelo Decreto 5.154[3] de Julho de 2004, além de outras possibilidades que também encaminham à conclusão de cursos em menor tempo, desde que diretamente relacionados com o perfil profissional de conclusão da respectiva qualificação.
Aproveitamento Imediato: Certificação por Competência
É presumido que há entranhados no entendimento do que diz o Decreto, que a Certificação por Competência seja mais uma manobra política que o governo instaura para oferecer uma resposta rápida à demanda necessária para suprimento da falta de mão de obra especializada para o trabalho, algo possível, mas não reduz a isso.
A verdade que precisa ser entendida é que não é mais possível tolerar o não aproveitamento de experiências profissionais anteriores que a pessoa, jovem ou adulto, adquire no decorrer da vida. Pesquisas nesse sentido demonstram que não são poucas.
A Certificação por Competência é um instrumento legal que tem por objetivo ampliar as possibilidades do jovem em utilizar dos seus conhecimentos profissionais a priori a sua formação técnica, sem prejuízo da qualidade, por isso, a aferição do saber adquirido em situações e experiências anteriores faculta-lhe o direito de conclusão abreviada, sem contar com as possibilidades, quando o curso for estruturado e organizado em etapas com terminalidade - saídas intermediárias que possibilitam a obtenção de certificados de qualificação para o trabalho, após conclusão com aproveitamento. Na prática, é uma legitimação em essência aos ensaios pedagógicos rousserianos que torna o aluno auto-suficiente.
Mas ao contextualizar para a realidade do Século XXI, é sabido que é prematuro orientar as escolas que simplesmente alterem seus projetos pedagógicos com efeito de anuência a esse aproveitamento, porque as próprias normatizações sobre o assunto ainda são pouco debatidas e devidamente elencadas, justificando esforços para que haja sólidos estudos que fortaleçam os parâmetros de metodologias e avaliações para os diversos perfis profissionais, uma vez que a responsabilidade passa a ser da escola que avalia, reconhece e certifica o aluno.
Superada a questão, com a saída intermediária, o aluno logra êxito em se tratando da rápida inserção no trabalho, permitindo o curso de módulos com conclusão, fazendo jus ao final dos módulos, à diplomação. Outro aspecto positivo é que com a iniciativa dessa modalidade de certificação fica garantido o segmento de estudos em nível superior, e mais, com pouco ou nenhum comprometimento no orçamento familiar, uma vez que oportuniza ao técnico a remuneração condigna pelo seu ofício porque ele estará apto a inserir-se no mundo do trabalho[4].
Na perspectiva filosófica, a profissionalização técnica por meio do imediato aproveitamento dos talentos já adquiridos anteriormente pela pessoa e toda a estrutura organizacional que envolve essa modalidade de qualificação, ganha dimensões que até poucos anos era algo inimaginável no cenário brasileiro, existindo apenas nas ilusões e na utopia de alguns pensadores interessados em ciências sociais.
O Ócio como Expressão da Liberdade
O Ócio na perspectiva proposta, é algo decorrente da boa utilização do tempo, da otimização de todos os recursos disponíveis para a consecução dos trabalhos, da produtividade que seja resultante da necessidade, algo que é idéia embrionária do empreendedorismo utilitário. Esse empreendedorismo utilitário tem alguns aspectos que assemelham o modo toyotista o qual o trabalhador é consciente de todo o processo da produção e nunca relegado ao trabalho segmentado onde jamais há a oportunidade de conhecer todas as dimensões da produção industrial; dos projetos que resultam em comercialização de bens; da participação nos lucros.
Não obstante, várias vezes no meio profissional o trabalhador conta com um tipo de ambiente de trabalho hostil, inóspito ou insalubre agravando sensivelmente a sua condição física e intelectual, criando uma situação de tédio e muitas vezes apatia por ações repetitivas e rotineiras, que não oferecem  a oportunidade de criar ou pensar o processo decisório. É contrariando essa formação absurda e intolerável que o modelo de formação técnica para o jovem brasileiro vem ganhando novo espaço no cenário das empresas internas e em outros países. É a refutação da projeção desse caos que a concepção da educação contemporânea, com respaldo nas Diretrizes da Educação Nacional, contrapõe o cerceamento intelectual da pessoa que se impõe com a hermenêutica travestida de “foco na produtividade”.
O fato real é que o aprendizado que liberta o ser humano para a criatividade, para o desempenho de tarefas cuja participação do trabalhador, seja em qual etapa for da criação, constitui algo fundamental para o melhor aproveitamento dos processos e produtos e possibilita abrir espaço para atividades que são significativas e cada vez mais valorizadas em termos de formação humana: atividades tais como tempo livre para a família, tempo para os filhos, para os cuidados com a saúde, tempo para a esposa, para o exercício físico ou para a reflexão intelectual ou espiritual. A isso damos o nome vida! É dessa maneira que atrelamos a significação ao Ócio decente e pretendido pela Estética da Sensibilidade- braço da Filosofia prática, a qual algumas empresas e grandes corporações já se deram conta da necessidade e dos resultados dessa prática.
A Estética da Sensibilidade é reflexo direto à contraposição a hegemonia dos padrões dos iguais em que a beleza do saber fazer é diluída no saber repetir, próprio do trabalho servil e escravatório.
Esses pressupostos estão internamente presentes no novo paradigma educacional do Brasil e fortemente arraigados na construção do texto das     Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico, entretanto, pouco debatido no cotidiano até mesmo das escolas que consagram novas tecnologias profissionalizantes. Tecnologias essas, que precisa ter por principal objetivo facilitar o trabalho humano e oferecer novas metodologias para o melhor aproveitamento do tempo e melhorar a qualidade de vida.
Essa dimensão existe em potencial na modalidade de Ensino Técnico e, por consequência, no modelo pedagógico que contempla a Certificação por Competência, bem assim, também o reconhecimento do autodidatismo, da criatividade, da invencionice, da celebração de aferição de conhecimentos do estudante; do aproveitamento de disciplina, do exame de proficiência, da possibilidade de matrícula em série, módulos, ciclos, etapas ou em outra forma de organização pedagógica, sempre sem prejuízo para o aluno.
Essa reflexão pelo prisma da Filosofia é porque enquanto as ciências exatas, em geral, são particulares, ou seja, segmenta aspectos da realidade em detrimento de outras possibilidades de conhecimento, como por exemplo, através da reflexão abstrata, a Filosofia enxerga o conjunto e postula uma visão globalizante examinando os problemas também do todo para as partes, formando em sua totalidade uma análise rigorosa da realidade, pois na sua equação produz um elo de intercessão entre as partes que compõe o objeto.
Enquanto Filosofia, os objetos de interesse parte da natureza ao Ser. O Ser é equivalente a exprimir o fato de que determinada coisa existe, portanto, o objeto de seu interesse, é tudo! Assim, a Filosofia relaciona com o contexto da educação pretendida e é a maior referência do pretenso entendimento e exercício da interdisciplinaridade na educação contemporânea, mas não necessariamente a melhor, considerando se isso pode mesmo ser mensurado.


Profº Wilson Barbosa
Técnico em Assuntos Educacionais
IFTO - Instituto Federal do Tocantins
Campus Porto Nacional



[1] ALVES, W. B. O Iluminismo no Século XXI. Filosofia- Ciência & Vida ESPECIAL, Ed. Escala, 2007, Edição nº 5.

[2] Rousseau faz referência à criança e sua preparação para o futuro, no momento certo da vida.
[3]  http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/ato2004-2006/2004/decreto/d5154.htm

[4]  http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb20_05.pdf

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