quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Por Wilson Barbosa


Outros Aspectos em Ambientes Colaborativos de Aprendizagem

Procurando adaptar o raciocínio apresentado segundo Packter nos escritos originais da Filosofia Clínica (Packter, 1997, p.9) para o universo da Educação à Distância em Ambiente Colaborativos de Aprendizagem, especificamente para a possibilidade de interseção entre duas ou mais pessoas, diferente do que já foi  tratado aqui (Princípios da Alteridade), compreende-se de início que a amizade (uma qualidade de interseção) em si, pode ser representada simbolicamente de modo onde duas pessoas ou mais se encontram existencialmente. O conceito de interseção é um tanto mais amplo, mas como conteúdo introdutório, é bastante registrar os encaminhamentos preliminares.

Há por exemplo possibilidades de choques estruturais[1], onde simbolicamente Maria está existencialmente próxima, ligada, mantendo de alguma forma vínculo com Francisco, mas não necessariamente por força das emoções (amor), mas influenciada, atraída, coagida pelos pre-juízos [2] existentes. Este é um exemplo simples e fácil.

            No caso de propostas de conteúdos para a EAD, os quais podem acontecer separados espacial ou temporalmente do aluno, torna-se mais complexa a veiculação da comunicação dos conteúdos, torna-se mais difícil a aferição de elementos que ligam os envolvidos, podendo com isso propiciar um ambiente de ambigüidade ou apatia na relação de amizade e proximidade entre professor e aluno, ou ainda, em funçao de diversas possibilidades, pode nada disso acontecer.

Em momentos de difícil compreensão de uma mensagem é quase factual que as pessoas compartilhem, no máximo, experiências aproximadas do verdadeiro sentido da mensagem em detrimento do que de fato devia ser: a informação pura. Essa é a tendência. No caso de ensino a distância, a escuta (ou a leitura); a busca da quietude para entender o modo legítimo do outro em aprender torna-se necessário, se levado em consideração as dificuldades encontradas no movimento da emissão da informação até a chegada e a compreensão do receptor.

Faz-se necessário também uma abertura ao modo próprio de expressividade daquele que ensina, algo que se detalhado parece sugerir um contra-senso junto ao que aprende, pois, se aquele que aprende tem um modo próprio para o fazer, aquele que ensina também tem o seu modo próprio de ensinar. Desse desacerto tratamos em artigos anteriores. Em aulas nos ambientes colaborativos de aprendizagem, essa aparente força contrária deixa de existir considerando a possibilidade de uso de mais de um recurso interacional que compõe as atuais plataformas de ensino a distância[3].

            Levando em conta o caráter propedêutico de estudos sob afetividade nas relações em ambientes colaborativos de aprendizagem, convém aventar sob o aspecto da inter-relação em meio aos recursos que dispomos para comunicar com o outro em EAD. Quando se inicia uma discussão em um fórum, quando se propõe a postagem de um ponto de vista, de uma questão, de uma opinião conforme solicitado pelo professor, questionamos o quanto conseguimos alcançar em termos de legitimidade intencional nos documentos postados pelo aluno, conforme os limites da sua semiose[4] e também da epistemologia exercidas em espaços virtuais.

Note que é importante oferecer recursos para que ele, o aluno, se expresse; é fundamental oferecer recursos com os quais ele possa exteriorizar seu entendimento da questão, porém, não restringido apenas em fóruns, mas também por meio de outras variáveis: diário de bordo, material do aluno, postagem de imagens, áudios, hiperlinks, gráficos, criação de slides, enfim, oferecer uma gama de oportunidades para a expressão, dessa forma, uma mesma questão pode ser e estar em sintonia com o melhor possível da semiose exercida pelo aluno. Desse parecer, depreende-se também que o aluno pode estar lá, do outro lado da sala em que o professor se encontra ou do outro lado do continente, não importa.

            É fundamental trabalhar o conceito da interação estabelecida e a qualidade dessa interação. BELLONI (1999) aponta esse conceito quando da diferenciação entre interação e interatividade:
 

É fundamental esclarecer com precisão a diferença entre o conceito sociológico de interação – ação recíproca entre dois ou mais atores onde ocorre intersubjetividade, isto é, encontro de dois sujeitos – que pode ser direta ou indireta (mediatizada por algum veículo técnico de comunicação, por exemplo, carta ou telefone); e a interatividade, termo que vem sendo usado indiscriminadamente com dois significados diferentes em geral confundidos: de um lado a potencialidade técnica oferecida por determinado meio (por exemplo, CD-ROOMs de consulta, hipertextos em geral ou jogos informatizados), e, de outro, a atividade humana, do usuário, de agir sobre a máquina e de receber em troca uma ‘retroação’ da máquina sobre ele (BELLONI, 1999, p.58).

 
            A necessidade de um entendimento profundo sobre o parecer do autor é em função de que a partir da aceitação do conceito como verdadeiro, caberá ao tutor de pólo e a orientadores acadêmicos, planejarem os cursos com mais dinamismo apoiados sob os ditames sociológicos e então, alcançar menos evasão. Ademais, com maior compreensão sobre o fenômeno do aprendizado via ambiente colaborativo - registra-se que esses ambientes promovem também um novo ethos cultural na pedagogia, o modo como utilizar os recursos virtuais em caráter pedagógico contribui para a democratização do ensino. A interação professor/aluno toma um novo status com o ambiente colaborativo e ocorre a descentralização porque por um lado o aluno dimensiona as opções da própria expressividade usando diversos veículos pelos quais pode expor o que pensa, e com esse movimento, altera-se a estrutura verticalizada entre professor e aluno.

            A interseção entre duas ou mais pessoas, onde não há o processo segregador, hierarquizado, onde não haja uma mensuração que impele ou sugira poder, é possível. Com base em PACKTER (1997), de modo análogo e simbólico pode assim ser representado[5]

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            Esse exemplo para entendimento da presença da não verticalização entre orientadores acadêmicos, tutores presenciais e alunos é aqui construído para atender as finalidades próprias ao modelo de ambiente colaborativo de aprendizagem e compõe apenas uma referência distante ao trabalho de Packter (1997), onde o contexto original é outro. Posto isto, o círculo índigo representa o orientador acadêmico, a cor lima o tutor presencial e o azul petróleo, o aluno. A idéia a ser transmitida é que todos estão em interseção contígua, não fazendo distinção hierarquizada, algo comum em um passado remoto onde havia uma escala vertical, i.é, aquele  em que o professor era o protagonista do papel de 'detentor' do conhecimento e os demais personagens envolvidos, meros receptores passivos. Ao contrário de transmitir a idéia de uma proposta educacional onde não haja limites ou distribuição de funções específicas, a interseção contígua denota um caráter democrático e participativo na educação, de modo que as informações fluam, e como resultado haja um aprendizado mútuo, pois o professor aprende enquanto ensina e o aluno ensina, enquanto aprende.

            Esse momento de crescimento do país que culmina também com o crescimento da educação à distância, traz na sua essência uma reciprocidade na relação da escola e aluno, formando um novo conceito de aprendizagem. Conceito esse que há efetivo envolvimento da pessoa humana, da construção da dignidade e da sensibilização para a solidariedade entre as pessoas. Todo esse aparato educacional é subjacente ao princípio da cidadania, que é devido pelas instituições acadêmicas, pelo governo federal com o apoio da comunidade a todo cidadão brasileiro. Essa participação contígua  especificamente nos moldes EAD atende em essência o apelo da LDB - Leis de Diretrizes e Bases 9394 de 1988, no seu Capítulo III, Art. 207, Inciso V: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” porque as fronteiras entre sábios e ignorantes,  ricos e pobres, caem.

            Se a partir dos recursos midiáticos que são hoje introduzidos na educação brasileira responsáveis por garantir maiores oportunidades de acesso ao ensino superior como graduação e pós-graduação não for possível atrair e entusiasmar o aluno para a escola; se o professor não conseguir auxiliar o aluno para que este aprenda a ter disciplina para com os horários de estudos (inédito nessa modalidade de ensino); ou se o professor não tomar conhecimento das questões disciplinares com as quais o aluno encontra sérias dificuldades, sem dúvidas, sinaliza a necessidade de que se ofereça capacitação ao docente que endossa e abraça a essa metodologia de trabalho, pois, a EAD requer dos educadores uma constante atualização em matéria de novos aprendizados a fim de dar conta das expectativas exigidas no processo pedagógico afinados ao mundo da educação tecnológica, pretensa à suprir a falta de escolaridade ainda muito expressiva no país.

            Restringindo a visão sob o que é a função da alteridade nesse contexto e compreendendo a posição do educador que se vê em meio a algo inusitado, com grande parte ainda em devir[6], a saber, o uso das tecnologias modernas no contexto educacional, divagações tornar-se-ão comuns, pois compõem no atual momento, capítulos de estudos e de hipóteses por especialistas que debatem a questão. Entretanto, é sabido que a alteridade na nossa sociedade ainda é um desafio. (ver artigo “A relação interpessoal da EAD).

Não se conhece o outro por ela mesma em toda a sua essência, exceto exceções,  se conhece pelos olhos de quem observa. O desejo de compreender o outro é um desejo da cultura, e mesmo com as imperfeições, sem um mínimo da essência de alteridade, esse desejo cultural torna-se impossível. Portanto, no mundo da EAD, o conflito simbólico acontece o tempo todo. Quanto mais pessoas conectadas, maior as possibilidades de abrir campo ao conflito. A ética da alteridade se torna para nós, uma necessidade premente, o que inclui a relação interpessoal dentro da educação mediado pelas TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação.
           A você, um abraço na modalidade à distância!

Wilson Barbosa
Filósofo Clínico;
Especialista em Tecnologias na Educação
Técnico em Assuntos Educacionais do
IFTO - Inst. Federal do Tocantins,
Campus Porto Nacional


 
 
 
 


[1] Choques Estruturais: conflito entre dois ou mais tópicos componentes da Estrutura de Pensamento, objeto metodológico de colheita do acervo existencial da pessoa nos casos de terapias em  Filosofia Clínica.
[2] Os pré-juízos são verdades subjetivas da pessoa as quais vão prestar contas com as nossas novas vivências.
[3] Exemplo de plataformas: O Moodle, plataforma de software livre;  Eproinfo, espaço virtual oferecido pelo Governo Federal. Esses são exemplos de ambientes colaborativos de aprendizagem que possuem mais de um instrumento de comunicação entre o professor e o aluno, não restringindo, portanto, a uma única forma de comunicação. São exemplos de meios de transmissão da informação: áudio, texto, imagens. Fontes: <http://www.moodlebrasil.net/moodle/>; <http://eproinfo.mec.gov.br/> Acesso em: 13/09/2010.
[4] Nos ensinamentos da Filosofia Clínica, semiose são os veículos de comunicação da pessoa; o quanto segue de mim em direção ao outro no momento da comunicação. A Semiose compõe um Tópico da Estrutura de Pensamento. (PACKTER, 1997, p.61)
[5]O diagrama apresentado contendo a presença de um orientador acadêmico, um hipotético tutor de Pólo de um curso EAD, bem como um aluno da EAD, é uma criação própria para esse texto. Uma alusão ao trabalho de PACKTER, 1997.
[6] Devir em filosofia diz respeito a algo que está por vir, em potencial. Fonte: FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 
 
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