Outros Aspectos em Ambientes Colaborativos de Aprendizagem
Procurando adaptar o raciocínio apresentado
segundo Packter nos escritos originais da Filosofia Clínica (Packter, 1997,
p.9) para o universo da Educação à Distância em Ambiente Colaborativos de Aprendizagem,
especificamente para a possibilidade de interseção entre duas ou mais pessoas, diferente
do que já foi tratado aqui (Princípios
da Alteridade), compreende-se de início que a amizade (uma qualidade de
interseção) em si, pode ser representada simbolicamente de modo onde duas
pessoas ou mais se encontram existencialmente. O conceito de interseção é um tanto
mais amplo, mas como conteúdo introdutório, é bastante registrar os
encaminhamentos preliminares.
Há por exemplo possibilidades de choques
estruturais[1],
onde simbolicamente Maria está existencialmente próxima, ligada, mantendo de
alguma forma vínculo com Francisco, mas não necessariamente por força das
emoções (amor), mas influenciada, atraída, coagida pelos pre-juízos [2]
existentes. Este é um exemplo simples e fácil.
No caso de propostas
de conteúdos para a EAD, os quais podem acontecer separados espacial ou
temporalmente do aluno, torna-se mais complexa a veiculação da comunicação dos
conteúdos, torna-se mais difícil a aferição de elementos que ligam os
envolvidos, podendo com isso propiciar um ambiente de ambigüidade ou apatia na relação
de amizade e proximidade entre professor e aluno, ou ainda, em funçao de diversas possibilidades, pode nada disso
acontecer.
Em momentos de difícil compreensão de uma
mensagem é quase factual que as pessoas compartilhem, no máximo, experiências
aproximadas do verdadeiro sentido da mensagem em detrimento do que de fato
devia ser: a informação pura. Essa é a tendência. No caso de ensino a distância,
a escuta (ou a leitura); a busca da quietude para entender o modo legítimo do
outro em aprender torna-se necessário, se levado em consideração as dificuldades
encontradas no movimento da emissão da informação até a chegada e a compreensão
do receptor.
Faz-se necessário também uma abertura ao
modo próprio de expressividade daquele que ensina, algo que se detalhado parece
sugerir um contra-senso junto ao que aprende, pois, se aquele que aprende tem um modo próprio para o
fazer, aquele que ensina também tem o seu modo próprio de ensinar. Desse
desacerto tratamos em artigos anteriores. Em aulas nos ambientes colaborativos
de aprendizagem, essa aparente força contrária deixa de existir considerando a
possibilidade de uso de mais de um recurso interacional que compõe as atuais plataformas
de ensino a distância[3].
Levando em conta
o caráter propedêutico de estudos sob afetividade nas relações em ambientes
colaborativos de aprendizagem, convém aventar sob o aspecto da inter-relação em
meio aos recursos que dispomos para comunicar com o outro em EAD. Quando se inicia
uma discussão em um fórum, quando se propõe a postagem de um ponto de vista, de
uma questão, de uma opinião conforme solicitado pelo professor, questionamos o
quanto conseguimos alcançar em termos de legitimidade intencional nos
documentos postados pelo aluno, conforme os limites da sua semiose[4] e também da epistemologia exercidas em espaços
virtuais.
Note que é importante oferecer recursos
para que ele, o aluno, se expresse; é fundamental oferecer recursos com os
quais ele possa exteriorizar seu entendimento da questão, porém, não restringido
apenas em fóruns, mas também por meio de outras variáveis: diário de bordo,
material do aluno, postagem de imagens, áudios, hiperlinks, gráficos, criação
de slides, enfim, oferecer uma gama de oportunidades para a expressão, dessa
forma, uma mesma questão pode ser e estar em sintonia com o melhor possível da
semiose exercida pelo aluno. Desse parecer, depreende-se também que o
aluno pode estar lá, do outro lado da sala em que o professor se encontra ou do
outro lado do continente, não importa.
É
fundamental trabalhar o conceito da interação estabelecida e a qualidade dessa
interação. BELLONI (1999) aponta esse conceito quando da diferenciação entre
interação e interatividade:
É fundamental esclarecer com precisão a
diferença entre o conceito sociológico de interação – ação recíproca entre dois
ou mais atores onde ocorre intersubjetividade, isto é, encontro de dois
sujeitos – que pode ser direta ou indireta (mediatizada por algum veículo
técnico de comunicação, por exemplo, carta ou telefone); e a interatividade,
termo que vem sendo usado indiscriminadamente com dois significados diferentes
em geral confundidos: de um lado a potencialidade técnica oferecida por
determinado meio (por exemplo, CD-ROOMs de consulta, hipertextos em geral ou
jogos informatizados), e, de outro, a atividade humana, do usuário, de agir
sobre a máquina e de receber em troca uma ‘retroação’ da máquina sobre ele
(BELLONI, 1999, p.58).
A
necessidade de um entendimento profundo sobre o parecer do autor é em função de
que a partir da aceitação do conceito como verdadeiro, caberá ao tutor de pólo e a orientadores
acadêmicos, planejarem os cursos com mais dinamismo apoiados sob os ditames
sociológicos e então, alcançar menos evasão. Ademais, com maior compreensão
sobre o fenômeno do aprendizado via ambiente colaborativo - registra-se que
esses ambientes promovem também um novo ethos cultural na pedagogia, o
modo como utilizar os recursos virtuais em caráter pedagógico contribui para a
democratização do ensino. A interação professor/aluno toma um novo status com o
ambiente colaborativo e ocorre a descentralização porque por um lado o aluno
dimensiona as opções da própria expressividade usando diversos veículos pelos
quais pode expor o que pensa, e com esse movimento, altera-se a estrutura
verticalizada entre professor e aluno.
A
interseção entre duas ou mais pessoas, onde não há o processo segregador,
hierarquizado, onde não haja uma mensuração que impele ou sugira poder, é
possível. Com base em PACKTER (1997), de modo análogo e simbólico pode assim
ser representado[5]
Esse
exemplo para entendimento da presença da não verticalização entre orientadores
acadêmicos, tutores presenciais e alunos é aqui construído para atender as
finalidades próprias ao modelo de ambiente colaborativo de aprendizagem e compõe apenas uma referência distante ao trabalho de Packter (1997), onde o contexto original é outro. Posto isto,
o círculo índigo representa o orientador acadêmico, a cor lima o tutor
presencial e o azul petróleo, o aluno. A idéia a ser transmitida é que todos
estão em interseção contígua, não fazendo distinção hierarquizada, algo comum em
um passado remoto onde havia uma escala vertical, i.é, aquele em que o professor era o protagonista do papel
de 'detentor' do conhecimento e os demais personagens envolvidos, meros
receptores passivos. Ao contrário de transmitir a idéia de uma proposta
educacional onde não haja limites ou distribuição de funções específicas, a
interseção contígua denota um caráter democrático e participativo na educação,
de modo que as informações fluam, e como resultado haja um aprendizado mútuo,
pois o professor aprende enquanto ensina e o aluno ensina, enquanto aprende.
Esse
momento de crescimento do país que culmina também com o crescimento da educação
à distância, traz na sua essência uma reciprocidade na relação da escola e
aluno, formando um novo conceito de aprendizagem. Conceito esse que há efetivo
envolvimento da pessoa humana, da construção da dignidade e da sensibilização
para a solidariedade entre as pessoas. Todo esse aparato educacional é
subjacente ao princípio da cidadania, que é devido pelas instituições acadêmicas,
pelo governo federal com o apoio da comunidade a todo cidadão brasileiro. Essa
participação contígua especificamente
nos moldes EAD atende em essência o apelo da LDB - Leis de Diretrizes e Bases
9394 de 1988, no seu Capítulo III, Art. 207, Inciso V: “acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”
porque as fronteiras entre sábios e ignorantes, ricos e pobres, caem.
Se a partir
dos recursos midiáticos que são hoje introduzidos na educação brasileira
responsáveis por garantir maiores oportunidades de acesso ao ensino superior
como graduação e pós-graduação não for possível atrair e entusiasmar o aluno
para a escola; se o professor não conseguir auxiliar o aluno para que este
aprenda a ter disciplina para com os horários de estudos (inédito nessa
modalidade de ensino); ou se o professor não tomar conhecimento das questões
disciplinares com as quais o aluno encontra sérias dificuldades, sem dúvidas,
sinaliza a necessidade de que se ofereça capacitação ao docente que endossa e abraça a essa metodologia de trabalho,
pois, a EAD requer dos educadores uma constante atualização em matéria de novos
aprendizados a fim de dar conta das expectativas exigidas no processo
pedagógico afinados ao mundo da educação tecnológica, pretensa à suprir a falta
de escolaridade ainda muito expressiva no país.
Restringindo
a visão sob o que é a função da alteridade nesse contexto e compreendendo a
posição do educador que se vê em meio a algo inusitado, com grande parte ainda
em devir[6],
a saber, o uso das tecnologias modernas no contexto educacional, divagações
tornar-se-ão comuns, pois compõem no atual momento, capítulos de estudos e de hipóteses
por especialistas que debatem a questão. Entretanto, é sabido que a alteridade
na nossa sociedade ainda é um desafio. (ver artigo “A relação interpessoal da
EAD).
Não se conhece o outro por ela mesma em
toda a sua essência, exceto exceções, se conhece pelos olhos de quem observa. O desejo de
compreender o outro é um desejo da cultura, e mesmo com as imperfeições, sem um
mínimo da essência de alteridade, esse desejo cultural torna-se impossível.
Portanto, no mundo da EAD, o conflito simbólico acontece o tempo todo. Quanto
mais pessoas conectadas, maior as possibilidades de abrir campo ao conflito. A
ética da alteridade se torna para nós, uma necessidade premente, o que inclui a
relação interpessoal dentro da educação mediado pelas TICs - Tecnologias da
Informação e Comunicação.
A você, um abraço na modalidade à
distância!Wilson Barbosa
Filósofo Clínico;
Especialista em Tecnologias na Educação
Técnico em Assuntos Educacionais do
IFTO - Inst. Federal do Tocantins,
Campus Porto Nacional
[1]
Choques Estruturais: conflito entre dois ou mais tópicos componentes da
Estrutura de Pensamento, objeto metodológico de colheita do acervo existencial
da pessoa nos casos de terapias em
Filosofia Clínica.
[2] Os pré-juízos
são verdades subjetivas da pessoa as quais vão prestar contas com as nossas
novas vivências.
[3] Exemplo de plataformas: O Moodle, plataforma de
software livre; Eproinfo, espaço virtual
oferecido pelo Governo Federal. Esses são exemplos de ambientes colaborativos
de aprendizagem que possuem mais de um instrumento de comunicação entre o
professor e o aluno, não restringindo, portanto, a uma única forma de
comunicação. São exemplos de meios de transmissão da informação: áudio, texto,
imagens. Fontes: <http://www.moodlebrasil.net/moodle/>;
<http://eproinfo.mec.gov.br/> Acesso
em: 13/09/2010.
[4] Nos ensinamentos da Filosofia Clínica, semiose são os
veículos de comunicação da pessoa; o quanto segue de mim em direção ao outro no momento da
comunicação. A Semiose compõe um Tópico da Estrutura de Pensamento. (PACKTER,
1997, p.61)
[5]O
diagrama apresentado contendo a presença de um orientador acadêmico, um
hipotético tutor de Pólo de um curso EAD, bem como um aluno da EAD, é uma
criação própria para esse texto. Uma alusão ao trabalho de PACKTER, 1997.
[6] Devir
em filosofia diz respeito a algo que está por vir, em potencial. Fonte:
FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.